Ataque à Aldeia: Povo Guarani do Morro dos Cavalos pede socorro
Comunidade foi atacada a tiros na madrugada de domingo, depois de no feriado de finados a mãe da cacique ter sido barbaramente esfaqueada
“ESTAMOS À BEIRA DE UM MASSACRE” – Habitantes indígenas estão vivendo desde o início de novembro momentos de terror na aldeia Guarani do Morro dos Cavalos, situada em Palhoça, há 30 quilômetros de Florianópolis. A líder Kerexú Yxapyry está clamando por socorro de todas as entidades e pessoas em defesa dos povos indígenas e dos direitos humanos. Na madrugada de sábado para domingo (19), a aldeia enfrentou um novo ataque a tiros de revólver, depois de ter, no dia 2 de novembro, sofrido a máxima violência quando pessoas ainda não identificadas atacaram a mãe da cacica, Ivete de Souza, 59 anos, torturaram, cortaram todo o corpo a golpes de faca, deceparam uma de suas mãos e só pararam quando avaliaram, por engano que ela já estava morta, conforme relatam as entidades apoiadoras da luta indígena em carta aberta.
Os “não índios maus” (como os Guarani) os chamam, que costumam atacar a comunidade nos feriados e fins de semana, “compraram” e ameaçaram adolescentes para agredir a idosa. Desde o dia 2 de novembro, Ivete foi internada em estado grave no Hospital Regional de São José e ainda não teve alta. “Ela está bem agora, mas perdeu a mão”, diz a filha Kerexu (Eunice Antunes) por telefone. Conforme a ex-cacica, que é também professora da Escola Indígena Itaty, não estão esclarecidas as circunstâncias em que um grupo de menores de idade foi envolvido na tentativa de homicídio do Dia dos Finados.
Voluntários fazem vigília para reforçar a segurança e também para que os indígenas possam descansar, relata Elisa Jorge, arquiteta e integrante do gabinete do vereador Lino Peres (PT), apoiador da comunidade, composta por cerca de 300 habitantes. Como a situação financeira é precária, os moradores da aldeia têm passado muita necessidade. “Estão exaustos e impedidos de trabalhar por estarem ocupados cuidando de cada entrada vulnerável no meio da mata, das casas, principalmente da cacica e da Escola Indígena Itaty”, explica Elisa.
Apesar de muitas solicitações para que a Policia Federal faça seu trabalho de proteção, até o momento não tomaram nenhuma atitude mais decisiva, limitando-se a investigar e expor os adolescentes supostamente envolvidos no crime contra a idosa, relata Kerexú. Ela diz que não consegue obter com a polícia os documentos relativos às investigações, nem o Boletim de Ocorrência. A procuradora federal Analúcia Hartmann está tentando interceder nesse caso, que envolve disputa de terras com moradores da Enseada de Brito, estimulados pelo interesse do Agronegócio e de políticos conservadores que defendem a expulsão dos indígenas de suas terras para duplicação da Br-101.As entidades, parlamentares, profissionais e pessoas solidárias estão fazendo uma campanha de doação financeira, alimentos e produtos de higiene. Reunião com os apoiadores do povo Guarani ocorre amanhã, terça (21), às 17 horas, no Sintespe, em Florianópolis. “Essa crueldade dos não índios está respaldada e encorajada por esse período de trevas instalado no país”, avalia Elisa, lembrando que nunca houve, em tempos mais recentes, uma agressão tão violenta contra os Guarani, que é um povo pacífico e afetuoso. Desde o início de novembro o povo do Morro dos Cavalos têm sofrido violência, amputações de membros, tortura de mulheres e ataques com arma de fogo que têm uma conotação fascista, misturando interesses particulares na propriedade das terras, investidas políticas e ideologia etnocida, analisa Daltro de Souza, liderança da Comunidade Amarildo, que está entre as entidades defensoras do povo Guarani. “Estamos à beira de um massacre. Precisamos de apoio nacional!”.
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Terra Indígena Morro dos Cavalos, 19 de novembro
(Carta da líder Kerexu Yxapyry)
Eu, Kerexu Yxapyry, liderança indígena guarani, estou passando para dar mais um relato de atentado dessa madrugada do dia 18 para dia 19 de novembro de 2017. À 1:30h, houve vários disparos de tiros nas Tekoa Itaty, Tekoa Yaka Porã e Centro de Formação Tataendy Rupa, os três pontos de vigília da Terra Indígena, sendo que na Tekoa Yaka Porã, um amigo nosso que estava de vigília cuidando do portão de entrada da aldeia quase foi acertado com o tiro. Quando uma pessoa que passava no carro gritou: “Já era” e atirou em direção a aldeia, nesse mesmo momento houve os disparos nos outros pontos. Xondaro Kuery (parentes) precisamos ficar atentos, pois os Juruá kuery (não índios maus) estão organizados e eles estão sabendo dos pontos de vigília.
Já recorremos todos os meios legais de proteção e até agora não obtivemos respostas. Promessas e notas de apoio também não estão valendo de nada os atentados estão cada dia mais dentro das nossas Tekoas em nossas casas em nossas famílias.
Vamos ficar cada vez mais alertas e chamar apoiadores que venham somar nessa luta de vigília.
Kerexu Yxapyry, liderança indígena e professora: “Precisamos de apoio: a violência chegou ao extremo”
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Terra indígena Morro dos Cavalos, 2 de novembro de 2017
(Carta das entidades apoiadoras)
Nós, lideranças e membros da comunidade Guarani do Morro dos Cavalos, localizada no município de Palhoça (Santa Catarina), vimos por meio deste documento denunciar mais um violento ataque a membro de nossa comunidade, com profundas agressões físicas e exigir providências das autoridades.
Na madruga da quinta-feira dia 2 de novembro a senhora Ivete de Souza, 59 anos, pertencente a nossa comunidade, foi violentamente agredida com golpes de facão, dentro de sua própria casa. Trata-se de uma tentativa de assassinato. Testemunhas afirmam ter visto dois adolescentes nas proximidades da residência da senhora Ivete. Esses menores foram conduzidos à delegacia da polícia civil em Palhoça e detidos antes mesmo do laudo da perícia ser divulgado. Os menores, que estão sendo investigados, estão sendo expostos de maneira irresponsável por setores da imprensa, sem ao menos uma informação mais precisa dos fatos ou a conclusão do laudo pericial. Que sai em 5 dias.
Requeremos uma investigação séria e isenta, porque acreditamos que existem pessoas não indígenas envolvidas. Não é a primeira vez que nossa comunidade é atacada e nem a primeira vez que os ataques ocorrem em véspera ou dias de feriados. No dia 2 de novembro de 2015, nessa mesma casa houve um ataque de não indígenas. Na verdade, vivemos som de ameaça constante, sejam elas físicas ou verbais proferidas por políticos, que estão empenhados em impedir a devolução de nossa terra e usam suas câmeras para incitar a violência contra nós povo Guarani do Morro dos Cavalos. Basta lembrar que ocorreu Audiência Pública na Câmara Municipal de Palhoça e mais pronunciamento a exatamente há uma semana atrás que a população foi incentivada a impedir a demarcação de nossa terra, em seguida no sábado passado no dia 28 de outubro foram realizadas manifestações próxima da tekoa Yaka Porã na Enseada do Brito contra nosso povo com faixas contra a Funai e contra a demarcação repetindo a fala do pronunciamento na câmara de vereadores do município de Palhoça.
Acreditamos que essa atrocidade foi feita por não indígenas com cúmplices indígenas; não foi assalto, pois não roubaram nada.
Por esse motivo pedimos o empenho das autoridades competentes para elucidar os fatos.
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Ivete Souza, mãe da líder Guarani Kerexú Yxapyry, internada depois de ter a mão decepada. Foto: Ramiro Funquim
Enviada para Combate Racismo Ambiental por Raquel Wandelli, do Jornalistas Livres
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