Entre lágrimas, punks e cães, Valpo se despediu de jovem assassinado por defender um cachorro vira-latas.
Na madrugada de sábado, um vendedor ambulante tentou atacar um cachorro vira-latas. Um jovem saiu na sua defesa, foi apunhalado e faleceu. Hoje quase mil pessoas deram seu último adeus no cemitério Nº3 de Playa Ancha, em Valparaíso.
Faltando alguns minutos para ás 2 da tarde e depois de uma missa em Cerro Baron, uma comitiva se dirigiu para o outro lado da cidade para enterrar e se despedir do filho, amigo e irmão que deixou este mundo por defender a vida de um vira-latas no dia 1° de abril em Valparaíso.
“Na sua família, desde que nasceu era a alma da festa. Seu sorriso e alegria não se apagaram ainda”, expressa entre lágrimas sua prima. “Morreu por convicção”. “Lutou por seus ideais, os defendeu de coração”, disse outro familiar e um amigo. Acertadas palavras que resumem, sem dúvida, a razão de vida de Camilo Ignacio Navea del Canto 19 anos e também, parte do porquê se desencadeou em uma discussão com Alex Bravo Verdejo 33 anos, quem tentava agredir um cachorro que, segundo ele, o incomodava no trampo de venda de “sopaipillas” na praça Aníbal Pinto da cidade Puerto.
Depois de saber do trágico acontecido, os autoconvocados e os amigos da vítima se reuniram na citada praça para realizar um velório. Um pouco mais pra lá, trabalhavam diariamente dois amigos que conheciam o jovem. “Sempre o via passar, nunca trazia problemas, era muito simpático e apesar de que muitos possam pensar, jamais o vimos fazendo alguma bobagem”, coincide Angel Vera y Francisco Soto, comerciantes que foram dar seu adeus na Playa Ancha no bairro Bellavista, território reconhecido por ser zona de descanso de um grupo de punks, que pedem uns trocados, comem e bebem em jornadas onde parece não existir tempo.
Oriundo de Cerro Barón, seus pais Glenda e Richard o inculcaram valores cristãos que o levou a aproximar-se da igreja local. No decorrer de sua adolescência, seus interesses mudaram, tal como suas vestes y corte de cabelo. Munido de jeans rasgados e patches costurados e animal-print, algumas correntes e metais, as ruas de Valparaíso o albergaram uma que outra vez. A abundância de cães vira-latas o despertou a consciência animal, imprimiu um novo anseio e destinou seu tempo para ajudar os seres peludos e de quatro patas que iriam parar num canil ou perambulavam pela cidade. Queria profissionalizar a sua afeição e fazia pouco que havia começado a estudar uma carreira técnica vinculada a medicina veterinária.
Catherin Toledo, voluntária do Centro de Ajuda Animal Anubis, compartilhou pouco com Camilo, mas ainda assim só tem boas palavras ao recordar o estudante. “Era respeitoso, muito boa pessoa. Durante fevereiro veio quase todos os dias para limpar os canis, levar a passear os que estavam melhores. Se nota que o fazia de coração. Não há palavras para descrever o que se sente, só viemos dar um pouco de apoio a família”, expressou.
Enquanto os bandos de papagaios gritam sobre nossas cabeças, os irmãos punks de Camilo lançam algumas frases que recordam ao amigo de intermináveis jornadas. A música e a cultura que os uniu, hoje se vestem de luto, mas nem por isso impede que se desenrole uma improvisada tocata, com três bandas (Disgusto, Los Conchatumadres e Careputa), que em um de seus intermédios lembrou a trágica sina da juventude atual: “Nossas mortes costumam ser tão violentas como as nossas vidas”, apontou no microfone, a vocalista de uma das agrupações presentes.
A dor se faz evidente, com lágrimas escorrendo pelo rosto. O caixão está coberto de flores e animais de pelúcia. Alguns vira-latas que habitam o cemitério aproveitam a multidão para ter um pouco de sombra e cochilar. Outros conseguem algum carinho. O grasnido das gaivotas nos faz recordar que o mar está ao fundo, a vida deve continuar, o punk não está o morto e já não basta rezar.
(livre tradução do texto de Gabriel Muñoz para o site El Ciudadano)