O silêncio dos Verdes

QUANDO CORPORAÇÕES FINANCIAM O ATIVISMO SOCIAL

YURI SANSON

Este ano, o Fórum Social Mundial (FSM) será realizado em Montreal, reagrupando ativistas sociais comprometidos, coletivos antiguerra e intelectuais proeminentes.

A maioria dos participantes não sabe que o FSM é financiado por fundações empresariais, incluindo Ford, Rockefeller, Soros, etc. Grande parte deste financiamento é canalizado para os organizadores do FSM sob o comando do Conselho Internacional do FSM.

Esta é uma questão que tem sido levantada em várias ocasiões por organizações progressistas e ativistas do FSM: você não pode efetivamente confrontar o neoliberalismo e as elites globalistas e ao mesmo tempo esperar que eles financiem suas atividades.

FINANCIANDO O DISSENSO

A Fundação Ford (com estreitas ligações com a CIA¹) proveu financiamento através do programa de “Fortalecimento da Sociedade Civil Global” durante os três primeiros anos do FSM. Em 2004, quando Mumbai, na Índia, recebeu o fórum, o comitê negou doações da Ford. Isso não mudou absolutamente nada. Com a Fundação Ford formalmente retirada, outras fundações se realocaram com o financiamento.

Hoje o FSM é financiado por um consórcio de inúmeras fundações corporativas sob o guarda-chuvas supervisionado da Engaged Donors for Global Equity (EDGE) “Doadores Engajados pela Igualdade Global”, numa tradução livre.

Em 2013 , o representante da Fundação Rockfeller, Tom Kruse co-presidiu o comitê da EDGE. Na Fundação Rockefeller, Kruse foi responsável pela “Governança Global” no âmbito do programa “Prática Democrática” . As doações da Fundação à ONGs são aprovados no âmbito do programa de “Fortalecimento da Democracia na Governança Global”, que é muito semelhante aos praticados pela United States Agency for International Development (USAID), Agência Americana para o Desenvolvimento Internacional do Departamento de Estado dos EUA. Um representante da Open Society Foundation, de George Soros, atualmente se encontra no Conselho de Administração da EDGE. O Fundo Global Wallace também está no seu Conselho de Administração . O Fundo Global Wallace é especializado na prestação de apoio às ONG “mainstream” e “meios alternativos”, incluindo a Amnistia Internacional e Democracy Now.

Um documento chave do FSM de 2012 diz:

“Do levante Zapatista em Chiapas (1994), à Batalha de Seattle (1999) e à criação do Fórum Social Mundial em Porto Alegre (2001), os anos de Não Existe Alternativa com Reagan e Thatcher foram substituídos pela convicção que ’um outro mundo é possível.’ Desconferências, campanhas globais e fóruns sociais têm sido cruciais para articular forças locais, compartilhar experiências e análises, desenvolver expertise e construir formas concretas de solidariedade internacional, com movimentos progressistas para justiça social, econômica e ecológica.”

Ao mesmo tempo, há uma óbvia contradição: um outro mundo não é possível quando a campanha contra o neoliberalismo é financiada por uma aliança corporativa de doadores comprometida com o neoliberalismo.

Eles não só financiam as atividades, mas também influenciam a estrutura do FSM, nominalmente descentralizado, em um mosaico disperso de workshops “faça você mesmo”.

Travestida de “descentralizada”, de “horizontal” e de outros termos pós-modernos, a estrutura destes workshops, com sua independência, são servos muitas vezes inconscientes de seus financiadores.

As corporações financiariam dissidentes buscando o controle de sua “Agenda”. E as redes progressistas e anticapitalistas, assim como as de ambientalistas, acabam por ter inúmeras de suas atividades sendo moldadas pelos financiadores.

“Tudo o que a Fundação [Ford] fez pode ser dito como “tornando o mundo seguro para o capitalismo”, reduzindo tensões sociais por ajudar a confortar os aflitos, provendo válvulas de segurança para a raiva, e melhorando o funcionamento do governo.”

(McGeorge Bundy, Assessor de Segurança Nacional dos presidentes John F. Kennedy e Lyndon Johnson (1961-1966), e Presidente da Fundação Ford (1966-1979), em tradução livre.

MARCO CIVIL DA VIGILÂNCIA EM MASSA

Em 2012 o diretor geral da Google foi preso no Brasil. Desde então, corporações estrangeiras passaram a investir milhões de dólares em lobby no congresso, em instituições acadêmicas como Fundação Getúlio Vargas, e em coletivos ativistas, com intuito de influenciar leis e processos políticos na proteção de seus interesses.

A Carta de Olinda, um documento colaborativo por direitos digitais, foi transformada em “um projeto de lei que permite a rastreabilidade habilitada à indústrias obsoletas entrincheiradas contra o futuro e seus sucessores” (Falkvinge, Rick) chamado ironicamente de Marco Civil da Internet. O processo de lobby de grandes corporações, de coletivos financiados e acordos costurados a portas fechadas dá o tom da construção de uma lei que jogou no lixo direitos fundamentais.

A primeira fase do projeto foi lançada pelo Ministério da Justiça, em parceria com o Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito (ITS) da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro em 2009. As Escolas de Direito da Fundação Getúlio Vargas foram criadas com investimentos da USAID (United States Agency for International Development), com o intuito de doutrinar países em desenvolvimento com os grandíssimos sentimentos de Democracia e Justiça dos Estados Unidos, e adequarem o Brasil para os investimentos da maior potência imperialista global.

A Escola de “Direito Getúlio Vargas”, lançou um concurso com o nome de “Prêmio Marco Civil da Internet e Desenvolvimento – patrocinado pela Google Brasil”. A ideia do concurso foi premiar em dinheiro as melhores ideias para o processo “colaborativo” de criação do Marco Civil. O critério, óbvio: patrocinado pela Google, promovido pela FGV, e com a presença, é claro, de membros ilustres do Ministério da Justiça.

Foi demonstrado, com os vazamentos de Snowden, que a Google (chamada de “NSA corporativa”), ao lado de outras gigantes da informática, trabalha em espionagem e vigilância global de forma bem semelhante ao governo americano.

O Facebook, o Google e o MercadoLivre declararam apoio ao Marco Civil da Internet. O interesse explicitamente óbvio: o Marco Civil estabelece que “provedores de aplicações na Internet” não são responsáveis pelo conteúdo publicado por seus usuários. Algo que livraria o diretor da Google da injusta prisão de 2012. Em troca da garantia de direitos para empresas e corporações, outros direitos civis foram retirados.

corporações tecnológicas com estreitas relações com NSA investem milhões em lobby político, chegando a superar a indústria farmacêutica e de armas.

O resultado foi um texto aprovado completamente diferente do colocado em debate público desde 2010. O Marco Civil determinou a retenção de dados de telecomunicações por um ano. A invasão da privacidade de todo e qualquer internauta passou a ser, mais do que um modelo de negócio questionável, uma obrigação legal imposta pelo Estado. O texto ainda facilita a retirada e bloqueio de conteúdos e aplicativos ao enfatizar os procedimentos e criar um “mapa da mina da censura” para juízes de primeira instância. E por fim, a neutralidade de rede, um conceito de que empresas não poderiam vender pacotes de acessos restritos, passou ao largo, ainda permitindo pacotes de “zero rating”, com parceiros de operadoras vendendo “pacotes grátis” para determinados aplicativos.

Segundo o fundador do Partido Pirata, Rick Falkvinge:

“O Marco Civil deixou de ser um projeto de lei que garantia à próxima geração de indústrias o terreno fértil de que precisavam, além da garantia de acesso aos serviços públicos e à liberdade de expressão aos cidadãos . Passou a ser apenas um projeto de lei que permite a rastreabilidade habilitada à indústrias obsoletas entrincheiradas contra o futuro e seus sucessores. Foi um desastre.”

Em recentes documentos vazados da Open Society Foundation de George Soros e disponíveis na Internet, o “coletivo” Mídia Ninja recebeu, apenas no último ano (de agosto de 2015 a agosto de 2016) o valor de US$ 80 mil (R$ 250.000,00)

Outras instituições brasileiras também receberam financiamento de George Soros, como o Instituto Fernando Henrique Cardoso (R$ 350.000,00), Actantes – Ação Direta pela Liberdade, Privacidade e Diversidade na Rede (R$ 190.000,00), Casa Fluminense (R$ 640.000,00), Instituto Tecnologia e Sociedade (ITS) / Mudamos.org (R$ 1.100.000,00) e Rede Nossa São Paulo (R$ 1.600.000,00).

Com ativistas financiados por corporações e um forte lobby no congresso, o resultado não poderia ser tão diferente. Afinal, as prioridades dos investidores são seus próprios negócios.

Pablo Capilé (Fora do Eixo/Mídia Ninja) e George Soros (Open Society)

O SILÊNCIO DOS QUE SE PINTAM DE VERDE

O ativismo patrocinado por corporações gera contradições que por fim engessam ou imobilizam as organizações ativistas. Um exemplo é um caso que ocorreu nas Olimpíadas do Rio.

Há vários campos de golfe no Rio de Janeiro.

Mas, por que usar os existentes se podemos destruir uma reserva ecológica e lá fazer um novo campo com dinheiro público, extinguir espécies raras e ainda construir condomínios de luxo, para depois entregá-los para a especulação imobiliária?

A destruição da área ambiental é equivalente ao bairro do Leblon.

O Ocupa Golfe, completou meses acampado em frente à reserva ecológica, em uma ocupação contra as obras do Golfe Olímpico Rio 2016 na APA de Marapendi.

Pessoas se manifestaram em frente às obras do Campo de Golfe Olímpico desde no final 2014, sendo constantemente hostilizadas por agentes do Estado e de empreiteiras. A Guarda Municipal diariamente “apreendia” pertences de quem ali ainda resistisse.

Após claras ameaças serem feitas contra a integridade física de ativistas durante o réveillon daquele ano, elas finalmente se materializaram nos últimos dias com pessoas sendo presas e feridas.

ativistas no “Ocupa Golfe”

O Greenpeace e o Partido Verde (PV) são instituições consagradas no meio ecológico, conhecidos por sua atuação ativista. Além disso contam com recursos financeiros, capital humana e poder político.

Mas por que se calaram em relação ao Campo de Golfe e à perseguição de ativistas?

Nos anos 90, o PV e o Greenpeace foram muito relevantes. E, na Europa, chegaram ao poder. Sua bandeiras de liberdades individuais: humanistas, ecológicas, legalização da maconha, respeito à diversidade sexual, estado laico.

Fora deste ranço fanático pós-URSS, estávamos na Era de Ouro do neoliberalismo econômico.

No quesito marketing viral (“artivismo”, ação direta e todas essas modernices), ao por mulheres gostosas peladas invadindo campos de futebol e carregando cartazes “salvem os pandas”, o Greenpeace foi pioneiro; ou desafiando a morte ao confrontar enormes embarcações de baleeiros com pequenos barquinhos – esteticamente forte.

Porém, em alinhamento com o poder econômico, esse ativismo profissional feito por publicitários, apesar do apelo ecológico e humanista, acabou se tornando uma pura e simples máquina de propaganda. Foi abraçado por todo o seguimento liberal da indústria, especialmente financistas bilionários e filantropos.

O Partido Verde sempre foi o braço institucional do Greenpeace – ecologicamente. Assim como o Partido Pirata está para o Anonymous e a liberdade de expressão.

No Brasil, o Greenpeace está ativo nos grandes centros, fazendo seu ativismo profissional, angariando fundos para financiar seu marketing, atuando sobre questões globais, ou melhor, problemas bem distantes de onde vivem os principais doadores, pessoas normalmente simpáticas ao tema, mas que não vão a fundo no que de fato fazem com seu dinheiro – ou de seus impostos.

Índios na Amazônia, Apocalipse do Aquecimento Global e Créditos de Carbono. Em todos lugares, Verdes passaram a dar consultoria para empresas transnacionais, cargos em grandes prefeituras (como a de São Paulo) e aliança com políticos tradicionalmente conservadores. Pintando todos de verde.

POIS VERDE É AQUILO QUE SE PINTA DE VERDE

Os gigantes da indústria química fazem sua publicidade na cor verde e as madeireiras, os latifundiários e os bancos lavam sua imagem, repetindo a palavra ecologia em cada página de seus informes e tingindo de verde seus empréstimos. (Sempre em constante atualização, o marketing verde: hashtag Rede Sustentabilidade.)

Empresas que lançam veneno no ar e poluem as águas sacaram, subitamente, da recém-comprada máscara verde e gritaram sua verdade em termos que poderiam ser resumidos assim: “os defensores da natureza são advogados da pobreza, dedicados a sabotarem o desenvolvimento econômico e a espantarem o investimento estrangeiro.” (Eduardo Galeano)

O prefeito Eduardo Paes (Dudu, sem você nada disso seria possível!), foi filiado ao Partido Verde e é chairmain de um grupo transnacional de “direitos urbanos ambientalistas”; ou seja, é verde também.

Na última década, as máscaras verdes foram caindo na Europa e gradativamente suas bandeiras propagandísticas sendo absorvidas pelo Sistema.

Enquanto os verdes perdem sua relevância, surgem distintos movimentos nos últimos anos que ocupam essa lacuna dos anos 90: Piratas, o Partido X, o Podemos, entre outros.

Independentemente da simpatia e humor de financistas da Fundação Ford, Soros e filantropos bilionários, nem todos cruzam os braços. Grupos autônomos de ativismo pipocam todos os dias, aqui e no mundo. E, na era do Big Brother, do WikiLeaks (e do GlobaLeaks) muitos querem ver os vexames (e verdades) dos políticos.

Recentemente, Nadia Tolokonnikova, líder do grupo punk Pussy Riot, se correspondeu com Slavoj Žižek, de dentro do cárcere. Ela havia sido presa por “vandalismo” ao fazer um protesto performático contra o governo de Vladimir Putin, na Rússia. Em trecho da carta de Žižek, explicitam-se os motivos pelos quais uma máquina capitalista como o Greenpeace não ousa apoiar iniciativas autônomas como a do Ocupa Golfe:

“Todos estavam torcendo por vocês enquanto vocês eram tidas como mais uma versão de protesto democrático-liberal contra o Estado autoritário. No momento em que ficou claro que vocês rejeitavam o capitalismo global, a relação com o Pussy Riot ficou muito mais ambígua. O que é mais perturbador para o olhar liberal é que vocês deixam visível a continuidade escondida entre Stalinismo e o capitalismo global contemporâneo.”

E Nadia respondeu:

“Nós somos parte desse movimento que não possui respostas finais ou verdades absolutas, nossa missão é questionar. Há os arquitetos da estética apolínea e há as cantoras punk da dinâmica e da transformação. Um não é melhor que o outro. Mas apenas juntos podemos garantir as funções do mundo da forma como Heráclito definiu: ‘Este mundo tem sido, e eternamente será, vivido no ritmo do fogo, inflamado de acordo com as ações, e morrendo de acordo com as ações. Essa é a função da respiração eterna do mundo’”.

Nós somos os rebeldes pedindo pela tempestade, e crendo que a verdade só pode ser encontrada numa busca sem fim. Se o “Espírito do Mundo” o toca, não espere que seja sem dor.”

Laurie Anderson cantou: “Apenas um especialista pode lidar com o problema.” Seria bom se eu e Laurie pudéssemos reduzir esses especialistas e resolver nossos próprios problemas. Porque o status de expert não garante acesso garantido ao reino da verdade absoluta.

No momento certo, sempre acontecerá um milagre nas vidas daqueles que infantilmente acreditam no triunfo da verdade sobre a mentira, da assistência mútua, daqueles que vivem de acordo com as economias da dádiva.”

Créditos:

Adaptado de:

Rockefeller, Ford Foundations Behind World Social Forum (WSF). The Corporate Funding of Social Activism

Pirate Times: New Brazilian Law Strips Citizen’s Rights

O silêncio dos Verdes

notas:

¹John J. McCloy, presidente da Fundação Ford entre 1958 e 1965, empregou intencionalmente vários agentes e, baseado na premissa de que uma relação com a CIA era inevitável, criou uma comissão de três pessoas responsável por lidar com essas instâncias. Saunders, Frances Stonor (1º April 2001). Quem Pagou a Conta? A CIA na Guerra Cultural. ISBN 978-1565846647